Tuesday, October 25, 2005



Não quero nada em específico, quero apenas mais. E nada mais humano que a inconformação: nunca vi um leão frustrado ou uma gazela cabisbaixa. É a derradeira herança genética: querer mais e sempre. E quem há de nos culpar por sermos apenas o bicho que somos? Mas falo do querer quando deveria falar do desejar. E não se deixe enganar pelo dicionário: são coisas bem diferentes. Porque desejo é o querer sem ação, e querer é o desejo com consciência e responsabilidade.
E nesses últimos dias meus mais inespecíficos desejos se materializaram em algo etéreo, onírico e, -- por que não? -- singelo: tudo o que quero agora é dormir. Ou melhor: dormir bem. Sou acompanhado por uma insônia perene, que me segue como um cão ao dono. Já me disseram: "toma umas que você dorme". Ora, eu poderia beber todas e não teria sono. Morreria e não teria sono. Seria, olhe só, um morto insone! Há quem diga que reclamo demais e para esses eu replico: sim, e nada mais humano!
Note que poderia justificar todas minhas idiossincrasias assim: como não sou leão, gazela ou ET, posso querer tudo e reclamar sempre. E eis que lhes entrego, de bandeja, a mais inconstestável justificativa para qualquer coisa: ser humano!

Wednesday, October 19, 2005



Mulheres se apaixonam com a mesma frequência com que compram sapatos. Digo isso e sigo para a questão que realmente importa: por que falamos tanto? Ou, colocando de outra maneira: por que ouvimos tão pouco?
Ontem, num chat, uma amiga disparou: "Estou apaixonada". Entre a inveja e a indiferença, escolhi o sarcasmo: "Fica tranquila que isso passa". Ela fingiu que me escutou, eu fingi que fui ouvido e continuamos nossos pequenos monólogos alternados. E, metralhado pela incessante sequência de qualidades do jovem que a arrebatara, senti crescer em mim uma ânsia ancestral: a de falar.
Augusto dos Anjos fala do "molambo da língua paralítica" como um obstáculo à expressão de idéias. Vou lhes confessar algo: nunca ouvi falar de um deficiente verbal sequer (excetuando-se os mudos, claro). Todos meus conhecidos têm línguas salubérrimas e não parecem ter problema algum em verbalizar os seus mais reconditos sentimentos. Um bom ouvido, no entanto, parece ser um desafio para a engenharia genética. Homens de marte e mulheres de vênus? Somos, todos, sistemas solares isolados!
Queria que um dia, minha amiga, eu pudesse vencer a distância planetária que nos separa e, ouvir, de bom grado, as lamúrias de um coração apaixonado!

Monday, October 17, 2005



Augusto dos Anjos errou! Digo isso com a voz entrecortada, já que Augusto é, para mim, muito mais que um poeta: é meu guia espiritual.
Minha vida se apoia em três robustos pilares: Augusto dos Anjos, Pink Floyd e chocolate. Augusto como mestre, Floyd como ideal de vida e chocolates como filosofia . É como na poesia do Pessoa: "Não há mais metafísica no mundo senão chocolates".
E abro aqui um parênteses sobre o ideal de vida floydiano. Me refiro ao Floyd de 'a pillow of winds' e 'San tropez', que são,
respectivamente, o mais preguiçoso despertar e o mais tranquilo anoitecer. Os outros Pink Floyds não interessam. Ou, por outra, interessam e muito, mas não para este post.

Mas eu falava de Augusto, ou melhor, eu dizia que Augusto errou. Foi em 'Monólogo de uma sombra' que ele afirmou: "... Calor, causa ubíqua de gozo". E eu replico: não! Nada mais longe da verdade. Aos incrédulos eu tenho outro argumento, ainda mais forte: não! E aos que ainda resistem: NÃO, não e NãO! Colocaria infinitos nãos sem medo de errar, mas o blog tem limite de palavras, então fico em três.
Não há espaço para calor entre o despertar e o anoitecer. Não o calor de Rio Preto. Não na vida ideal, que é necessariamente floydiana e necessariamente preguiçosa e tranquila. O calor riopretense é visceral; é sentido de dentro para fora. Mas é fácil compreender o deslize de Augusto: como paraibano, não conhecia Rio Preto!