Thursday, June 29, 2006




Há quem diga que existem dois tipos de pessoas: as que dividem todo o mundo em dois tipos de pessoas e as outras. E foi ontem que descobri pertencer ao primeiro grupo. Não se deixe enganar com a aparente comicidade da afirmação: nada pode ser mais sério. Sim, eu, o antimaniqueísta, sou, no fundo, um maniqueísta!
Era meia-noite, a hora que, para Allan Poe, apavora. Estávamos numa boate jogando bilhar. E o que pode ser mais inocente que jogar bilhar com amigos? Pois bem: uma garota, cheia de malícia e malevolência,
se aproxima de mim e dispara: "Quem é o teu amigo?". Ora, eu estava com uns dez amigos e mais uns conhecidos e, confuso, revidei: "Mas qual deles?". Ela: "Esse!". E apontava com o indicador, movimentando-o rente a mesa, quase tirando as bolas da posição. Ora, era o irmão de um grande amigo meu. Recém-noivo. Gente finíssima. Eu, pensando que nada poderia sair do encontro da malícia com o compromissado e, preocupado com a integridade do jogo que eu finalmente vencia, não tardei em aproximá-los. Cinco minutos e o jogo acabou -- perdi! Olhei de relance: o papo entre eles corria solto, com gargalhadas infinitas e cochichos igualmente longos. Me aproximei dele e falei: "Você tá com uma aliança no dedo!" E ele, me dando ombros: "E o que tem a ver?" Ora, para mim, tem tudo: se ele ama a noiva aquilo era o adultério com banda, bebidas e convidados.
Depois de uma meia hora, a amiga da malevolência (não havia dito? Que seja: ela tinha uma amiga) começa a me olhar. Depois de varrer a boate com os olhos infinitas vezes, dançar sozinha, ir ao banheiro umas três vezes, a amiga, súbita e supostamente, se interessa por mim. Meu amigo fala: "Ela tá de rolo, mas tem nada não. Chega, chega!" E, ato contínuo, beija a malícia.
E foi aí que entendi. Há dois tipos de pessoas: as que procuram recompensas imediatas, e as que se irritam por nunca ter recompensas. Agindo sob a vigilância de uma suposta moral, nunca me permito passar por cima dos outros; nem mesmo de rolos. E, sobretudo: não quero sobras. Ela, depois de observar toda a boate e ver que não havia nada... bem, havia eu.
Fiquei somente com a certeza de ter descoberto um dos problemas de nosso mundo -- e do cristianismo: para os quem anseiam ter um mínimo de princípios, não há retorno, não há recompensas. "Tu é muito besta, doido." disse-me ele, pouco antes que eu fosse embora. É, sou mesmo.