Sunday, November 13, 2005


Existem coisas que não adianta: só provando. Ninguém é capaz de descrever a textura de um morango, o gosto de um chocolate. Não conheci quem ousasse afirmar: "nunca comi pêras, mas me disseram como é." E ontem compreendi que a saudade é uma pêra, um morango.
Num telefonema, um velho amigo -- ia dizer fundamental -- perguntou: "Que tu tens?" Eu: "Saudades de casa". E ele: "Fala". Ora, ninguém deveria, jamais, pedir que eu fale; mas ele pediu. E, aproveitando o divã telefônico, pus-me a falar da falta que minha família me faz, de como contrato em cartório não transformava alvenaria em lar. Fiz dezenas de analogias e usei palavras nada tropicais como 'prados', 'fiordes'. Eu, empolgado e num rompante medieval, emplaquei até um 'regozijo'. Ele, no desespero do interurbano, interveio: "Me fala por que você anda triste, cacete!". Levei um tempo, mas consegui entender o estranhamento dele: a meio metro dos pais, nem a mais fértil das imaginações o permitiria trocar de lugar comigo, fazê-lo sentir o que eu sentia. A saudade que carrego é, para ele, exótica como um kiwi e distante como um fiorde. Do conforto de seu lar, ele não sente nem brisa de saudades. E a saudade é como o deserto à noite: árida e fria. Árida como três desertos.
"Ah, é só saudades?", indagou, meio indignado, antes de desligar. Eu: "Só".

Wednesday, November 02, 2005




Já havia afirmado aqui e repito: não se fazem mais paixões como antigamente! Minto: o que eu havia dito era que mulheres se apaixonam com frequência, mas dêem-me o desconto. E, com o perdão pelo lapso, sigo para o que eu realmente queria dizer: nos nossos dias, o coração não passa de uma víscera menor. É como um baço ou um fígado. Ou, por outra: é como um apêndice.
Ouvi esses dias num bar: "dane-se o coração, preferia ter dois fígados!". E passo do comentário de meu amigo etílico para o da amiga apaixonada.
É a mesma conversa de dois posts atrás: ela se confessava perdidamente apaixonada por fulano. Perguntei: "E o que tem esse fulano?" Ela: "é lindo, beija bem e é tão cheiroso". Paro a transcrição por aqui. Se você não se surpreendeu, então leia novamente. Olhe só: ela o deseja com os olhos, com a boca e até com o nariz, mas não com o coração! E, nesses tempos de ômega-3 e gorduras poli-insaturadas, nem o cardiologista quer saber dele. Não se ouve mais falar em corações partidos. Veja bem: não há registro, em toda Rio Preto, de um único e escasso caso de coração partido! Corações transpassados? Só na churrascaria.
No bar, pensei alto: "Deveríamos ter dois, três corações até!". "Você é um romântico", disparou o amigo de dois fígados. "Ora, romântico é você!", respondi ofendido, e voltei a jogar bilhar.