Existem coisas que não adianta: só provando. Ninguém é capaz de descrever a textura de um morango, o gosto de um chocolate. Não conheci quem ousasse afirmar: "nunca comi pêras, mas me disseram como é." E ontem compreendi que a saudade é uma pêra, um morango.
Num telefonema, um velho amigo -- ia dizer fundamental -- perguntou: "Que tu tens?" Eu: "Saudades de casa". E ele: "Fala". Ora, ninguém deveria, jamais, pedir que eu fale; mas ele pediu. E, aproveitando o divã telefônico, pus-me a falar da falta que minha família me faz, de como contrato em cartório não transformava alvenaria em lar. Fiz dezenas de analogias e usei palavras nada tropicais como 'prados', 'fiordes'. Eu, empolgado e num rompante medieval, emplaquei até um 'regozijo'. Ele, no desespero do interurbano, interveio: "Me fala por que você anda triste, cacete!". Levei um tempo, mas consegui entender o estranhamento dele: a meio metro dos pais, nem a mais fértil das imaginações o permitiria trocar de lugar comigo, fazê-lo sentir o que eu sentia. A saudade que carrego é, para ele, exótica como um kiwi e distante como um fiorde. Do conforto de seu lar, ele não sente nem brisa de saudades. E a saudade é como o deserto à noite: árida e fria. Árida como três desertos.
"Ah, é só saudades?", indagou, meio indignado, antes de desligar. Eu: "Só".